O abandono do outro é uma terrível constatação nas relações humanas. Pais que não reconhecem a paternidade de seus filhos, que os maltratam, negam o dever da assistência de uma vida digna; mães que defenestram recém-nascidos pelas janelas e lançam-nos nos esgotos; cônjuges que se trocam e se descartam mutuamente, e se abandonam; amigos que traem outros amigos; irmãos que ferem seus irmãos; o tratamento de descaso do Estado para com os cidadãos, obrigando-nos a uma vida indigna, ferindo o bem-estar do cidadão, que é dever do Estado, e desconsiderando as necessidades estruturais básicas da vida humana. Estas e outras formas de abandono ferem nossa dimensão do humano, nossas referências éticas e eliminam nossa real perspectiva acerca do que é o homem e nos colocam diante de questões assustadoras que revelam nossa própria face e mostram nosso caráter como que um espelho diante do qual contemplamos nosso rosto pecaminoso e mau. Estes comportamentos contrários à dignidade revelam o pecado residente no ser humano, uma indelével marca de imperfeição, manifestada na relativização da verdade e na negação de Deus. Por esta razão, Deus mesmo entregou os homens a uma depravação mental reprovável para cometerem toda sorte de perversões e atentados contra Deus e, conseqüentemente, contra o homem, imagem e semelhança de Deus (Rm 1.28,29). Caim revelou esta dimensão perversa como conseqüência do pecado. O assassinato de Abel é a tipificação do abandono do outro, em razão da compreensão equivocada de quem Deus é e de quem o outro é (Gn 4.8-16). A morte de Cristo é a última perversão tipificada. Todavia, ao vencer a morte, Cristo assumiu a restauração de todas as coisas, mediante a qual o abandono do outro deve ser execrado das relações humanas e transformado na dignificação do ser humano como imagem de Deus (Cl 1.13-23).
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